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Compliance na história: O germinar da área

26/10/2023
Compliance na história: O germinar da área

A Interact começa hoje uma série de publicações sobre o histórico de Compliance. Ela se baseia na pesquisa realizada para criação da solução em tecnologia GRC – Governança, Riscos e Compliance, que oferece o melhor da tecnologia para a gestão de programas de integridade.

Este conteúdo faz parte do Compliance Handbook da Interact, um material de 130 páginas que contempla o histórico, os fundamentos conceituais, a legislação brasileira, os principais modelos no mundo e como a Interact Suite SA a atende a estas recomendações.

Nesta primeira publicação, faremos um sobrevoo sobre alguns acontecimentos que, reativamente, culminaram na emergência da área.

Preâmbulo

Uma história reativa. Assim podemos resumir o contexto do Compliance ao longo dos anos. Evidentemente, essa interpretação não busca substituir a profundidade do trabalho de um historiador. Tampouco pretendemos que o tempo seja visto como uma evolução linear. Nossa finalidade se restringe a contextualizar a temática, oferecendo sobrevoos nos principais acontecimentos que corroboraram para o desenvolvimento da área.

De um lado, a história do Compliance mostra o protagonismo crescente dos Estados Unidos, tanto do ponto de vista econômico quanto geopolítico. Por outro lado, sublinha a crescente busca dos países em estabelecer regras em comum de jogo – leis, normativas ou requisitos de comércio exterior. Nestes aspectos, a propagação do Compliance surfa historicamente no conhecido processo de globalização.

A história do Compliance pode ser dividida em cinco fases. Na primeira, entre os anos 1900 e 1950, abordamos o germinar da área. Na segunda, entre 1960 e 1990, identificamos o marco de constituição nas instituições financeiras. Entre 1990 e 2000, desponta a terceira fase, marcada pelo combate à lavagem de dinheiro. Na década seguinte, fraudes e leis mais severas marcam a quarta fase. O quinto momento corresponde à década presente, notavelmente conhecida como a era de ouro do combate à corrupção no Brasil.

O germinar do Compliance (1900-1950)

O Compliance sequer existia nesse período. Pelo menos na forma como conhecemos hoje. No máximo, perpassava as áreas jurídicas e de auditoria, sobretudo no setor financeiro. Na história contemporânea, este também é um período conturbado, com duas Grandes Guerras e crises econômicas transnacionais. Também no início do século passado, os Estados Unidos se transformaram em uma espécie de celeiro da Europa, especialmente dos países em conflito na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Em paralelo com a ascensão econômica dos Estados Unidos, se popularizou nesse período a compra de ações na bolsa de valores. Maravilhadas com a possibilidade de lucro, empresas começaram a investir no mercado de ações. Por sua vez, na mesma euforia, a população chegava a vender bens e imóveis para adquirir títulos. Afinal, a economia norte-americana disparava e o retorno financeiro era praticamente garantido.

A Primeira Guerra terminou e os países tentaram se reorganizar. Sem a prioridade bélica, a Europa se viu obrigada a retomar a produção de alimentos e industrializados como forma de amenizar os problemas socioeconômicos após os conflitos. Assim, as nações economicamente se fecharam para fortalecer os mercados internos. Como consequência, os Estados Unidos ficaram sem para quem vender seus produtos.

O resultado disso foi um efeito cascata: sem vender, fazendas e indústrias não tinham como pagar empréstimos tirados nos bancos, o lucro das instituições financeiras despencou, empresas perderam valor com o agravamento da recessão, o desemprego se agravou drasticamente para além dos Estados Unidos e milhares de acionistas perderam grandes somas de dinheiro. Tudo isso culminou na Quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, considerada como o marco dessa crise de superprodução.

 

No livro Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991), o historiador britânico Eric Hobsbawm (1995, p. 91) assim descreveu essa época:

“[…] a Primeira Guerra Mundial foi seguida por um tipo de colapso verdadeiramente mundial, sentido pelo menos em todos os lugares em que homens e mulheres se envolviam ou faziam uso de transações impessoais de mercado. Na verdade, mesmo os orgulhosos EUA, longe de serem um porto seguro das convulsões de continentes menos afortunados, se tornaram o epicentro deste que foi o maior terremoto global medido na escala Richter dos historiadores econômicos – a Grande Depressão. Em suma: entre as guerras, a economia capitalista pareceu desmoronar. Ninguém sabia exatamente como se poderia recuperá-la”.

Reviravolta

A confiança no mercado de capitais precisava ser restaurada para recuperação da economia. Para conter a Grande Depressão, os Estados Unidos apresentaram em 1933 o New Deal, que se consistia em uma série de programas, projetos de obras públicas, reformas financeiras e regulamentos para a retomada econômica. Com duração até 1936, a proposta governamental incluiu novas restrições no setor bancário e esforços para reinflacionar o mercado depois que os preços caíram drasticamente.

Até então os mercados de valores mobiliários eram pouco regulamentados pelo governo dos Estados Unidos. Dentre as ações do New Deal, foi criada em 1933 a Lei de Valores Mobiliários para aumentar a confiança no mercado de capitais, exigindo a divulgação uniforme de informações sobre ofertas de títulos públicos. Em 1934, o poder de execução da lei foi transferido para a recém-criada agência reguladora U.S. Securities and Exchange Commission (SEC).

A Lei de Valores Mobiliários executada pela SEC possui dois propósitos principais:

1. Exigir que empresas que ofereçam publicamente valores mobiliários para investimento em dólares informem ao público sobre seus negócios, os títulos que estão vendendo e os riscos envolvidos no investimento;
2. Determinar que pessoas que vendam e negociam títulos – corretores, revendedores e bolsas – devam tratar os investidores de forma justa e honesta, colocando os interesses destes em primeiro lugar.

As regras no mercado financeiro começaram a endurecer. Em 1940, com as leis Investment Advisers Act e Investment Company Act, os Estados Unidos passaram a exigir que empresas ou profissionais que ofereçam consultoria em investimentos tenham registro na SEC e estejam em conformidade com os regulamentos. O objetivo era claro: proteger os investidores de possíveis fraudes.

O Investment Company Act é o estatuto primário que regula fundos. Já o Investment Advisers Act se baseia em princípios, com algumas restrições específicas. De um modo geral, protege investidores com disposições antifraudes e aplicação do dever fiduciário. Ao longo dos seus 79 anos, a SEC acionou em diversas ocasiões esses dispositivos, por conta de práticas como a divulgação inadequada de informações de conflitos de interesses, despesas e empréstimos (HARVARD LAW SCHOOL, 2015).

No mundo, as moedas se desvalorizaram drasticamente nesse período e o comércio entre países entrou em declínio. Para buscar a reestabilização do Sistema Monetário Internacional, a histórica conferência de Bretton Woods em 1944 apresentou como medidas a adoção de controles de capitais para evitar ameaças de crises entre guerras.

Além disso, foi fundado o Fundo Monetário Internacional, formalmente lançado no ano seguinte, com o propósito de oferecer financiamentos para economias em dificuldade de pagamento, além de monitorar e penalizar países que desestabilizassem o sistema financeiro (EICHENGREEN, 2012).

Em 1940, com as leis Investment Advisers Act e Investment Company Act, os Estados Unidos passaram a exigir que empresas ou profissionais que ofereçam consultoria em investimentos tenham registro na SEC e estejam em conformidade com os regulamentos.

O objetivo era claro: proteger os investidores de possíveis fraudes.

 

Autor: Vinícius Flôres

Referências
EICHENGREEN, Barry. Globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional. Editora 34: São Paulo, 2012.

HARVARD LAW SCHOOL. Harvard Law School Forum on Corporate Governance and Financial Regulation. Opening Remarks at the 75th Anniversary of the Investment Company Act and Investment Advisers Act. Cambridge, 2015. Disponível em: https://goo.gl/DYvLP8

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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